O cálculo do impeachment
Ao longo deste ano de 2015
em várias circunstâncias foi dado quase como certa a deflagração do processo de
impeachment contra a presidente Dilma, que somente não ocorreu em razão de um
cálculo perverso por parte da “elite do poder”.
Embora o elemento que
pudesse dar sustentação fática normativa ao pedido seja motivo de controvérsia
jurídica, sabe-se que o impeachment é, sobretudo, um processo político
revestido de algum embasamento jurídico. Também é sabido que nosso ordenamento
está muito longe de ser baseado única e exclusivamente na letra da lei como
propunha Kelsen. O que impede de fato que o processo seja deflagrado são dois
vetores: o ônus das reformas impopulares e o receio da moribunda capacidade de
mobilização dos grupos vinculados ao petismo, ou, mais especificamente ao
lulismo.
Enquanto pairava sobre o
Brasil vinda da terra dos mortos a alma do capitalismo de Estado, a oposição
encarnada pelo PSDB foi incapaz de denunciar ao país que essa alma logo
desceria ao inferno carregando consigo os avanços conquistados tanto pela
estabilização econômica de Fernando Henrique como a expansão de programas
sociais da era Lula, principalmente os programas voltados para a população mais
pobre.
Ora, quem acabou com a
hiperinflação não foi Lula e jamais poderia ter sido. Foi Fernando Henrique e a
equipe que comandou o Plano Real. Ocorre que as verdadeiras lideranças
políticas são aquelas capazes de ver a política como um processo de longo
prazo. Se tivessem essa visão as lideranças do PSDB teriam disputado as
eleições presidenciais para marcar posição. Mas ao contrário, o imediatismo do
calendário eleitoral fez com que José Serra e Geraldo Alckmin se rendessem aos
preceitos do marketing político realizando campanhas deploráveis na vã ilusão
de disputar com Lula o eleitor de baixa renda e de baixa informação. Se é
verdade que esses candidatos foram ao segundo turno, também é verdade que o
PSDB perdeu sua identidade, principalmente quando Serra trouxe a questão
religiosa para a política.
Sem uma oposição consistente
o país que por sua natureza é habituado ao capitalismo de Estado, se deixou
embriagar pela ilusão de que o Estado tudo podia e que falar em equilíbrio
fiscal e metas de inflação era coisa de economista neoliberal. Aliás, se o
Estado tudo podia, aqueles que lutavam contra a volta do neoliberalismo podiam
também pegar o seu quinhão.
Por não ter denunciado de
forma contundente o artificialismo da ascensão social promovida pelo lulismo, e
por ter negado o legado de Fernando Henrique, o PSDB perdeu a condição de
liderar um possível pedido de impeachment, pois, além de nunca ter estabelecido
laços sociais, teme a reação dos grupos vinculados ao lulismo, e aqui entra o
segundo vetor do cálculo do impeachment.
O Brasil nunca conheceu uma
sociedade civil autonomamente organizada. As organizações, sejam elas sindicais
ou empresariais, sempre buscaram canais de acesso ao Estado, quase sempre não
pela via da representação política mas pelos tais “anéis burocráticos”. Nos
doze anos de lulismo esses anéis foram revigorados e, mesmo com o Estado a
beira da insolvência, ainda existem grupos que preferem sugar a última gota de
leite à ter de enfrentar reformas estruturais que dinamizem o capitalismo.
Diante de tal quadro o PMDB
tornou-se o fiel da balança do impeachment e fez o seu próprio cálculo que
resumidamente pode ser colocado nestes temos: Com o impeachment de Dilma Temer
assume e terá que arcar com os custos da abertura do “saco de maldades”, tendo
o PT como oposição. Como o PMDB não é dado a encarar reformas impopulares, qual
seria a melhor jogada? Travar o arremedo de ajuste fiscal e quaisquer outras
medidas que poderiam sinalizar um rumo para a crise econômica. Com as
expectativas e os indicadores econômicos se deteriorando em galope de alazão, o
PMDB aposta na mobilização popular para, de preferência, forçar a renúncia de
Dilma. Caso isso não venha ocorrer, o PMDB continuará abocanhando a sua parcela
do Estado para, na véspera de 2018, definir para qual lado tenderá para se
manter coadjuvante do governo de plantão.
O cálculo do
impeachment conta com a sonolência da nação, mas esquece de que flerta com uma
repetição de junho de 2013 num quadro ainda pior. Em outras palavras,
espertezas políticas estão muito longe de significar inteligência. Gustavo Müller. Publicado em:
Novembro/2015
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