O passe livre é uma política
pública que prevê o uso do transporte público sem cobrança de tarifa do usuário
final; nesse modelo, o sistema é financiado pelo orçamento do município.
Em março de 2023, uma greve
paralisou o metrô de São Paulo. Em meio às negociações, os
metroviários propuseram uma forma de protesto diferente: eles voltariam ao
trabalho, mas o metrô operaria sem cobrança de tarifa da população
até as partes chegarem a um acordo.
A ideia acabou barrada pela
Justiça, impedindo o que teria sido o segundo maior experimento de tarifa zero
no país em menos de um ano.
A tarifa zero ou passe livre é
uma política pública que prevê o uso do transporte público sem
cobrança de tarifa do usuário final. Nesse modelo, o sistema é financiado pelo
orçamento do município, com fontes de recursos que variam, a partir do desenho
adotado por cada cidade.
O primeiro teste em grande escala
da proposta no país aconteceu no segundo turno das eleições presidenciais, em
outubro de 2022.
Naquele dia, centenas de cidades
brasileiras deixaram de cobrar passagem nos ônibus e trens, para facilitar o
acesso dos eleitores às urnas.
Na Grande Recife, a demanda
aumentou 115% em relação aos domingos comuns e 59% na comparação com o primeiro
turno. Em Belo Horizonte, o aumento foi de 60% e 23% nas mesmas bases de
comparação, conforme balanços divulgados à época.
Os números revelam a imensa
demanda reprimida pelo transporte urbano e o fato de que, atualmente, milhões
de brasileiros não usam ônibus, metrôs e trens por falta de dinheiro.
Mas essa realidade está mudando
em um número crescente de cidades e projetos em discussão na Câmara dos
Deputados querem tornar a tarifa zero uma política nacional – embora
financiá-la em grandes centros urbanos ainda seja um imenso desafio.
67 CIDADES BRASILEIRAS
COM TARIFA ZERO
Ao menos 67 cidades brasileiras
já adotam a tarifa zero em todo o seu sistema de transporte, durante todos os
dias da semana, conforme levantamento da NTU (Associação Nacional das
Empresas de Transportes Urbanos), atualizado em março de 2023.
São cidades pequenas e médias,
com populações que variam de 3 mil a mais de 300 mil habitantes.
Outros sete municípios adotam a
política de forma parcial: em dias específicos da semana, em parte do sistema
ou apenas para um grupo limitado de usuários, segundo os dados da NTU.
E ao menos quatro capitais
estudam neste momento a possibilidade de adotar a tarifa zero em seus sistemas
de transporte: São Paulo, Cuiabá, Fortaleza e Palmas, de
acordo com levantamento da área de mobilidade urbana do Idec (Instituto Brasileiro
de Defesa do Consumidor).
No Brasil, a tarifa zero foi
proposta pela primeira vez durante o mandato da então petista Luiza Erundina à
frente da Prefeitura de São Paulo (1989-1992). Mas, naquela ocasião, a proposta
não avançou.
A política voltou ao debate
público nos anos 2000, com o surgimento do Movimento Passe Livre (MPL).
O movimento social ganhou
notoriedade em junho de 2013, ao liderar a maior onda de protestos da história
recente, deflagrada por um aumento das tarifas de ônibus em São Paulo.
(Constituição) na Câmara, o
primeiro da autoria de Jilmar Tatto (PT-SP) e a segunda, de Luiza Erundina
(Psol-SP).
A PEC de Erundina pretende criar
um Sistema Único de Mobilidade (SUM), a exemplo do Sistema Único de Saúde
(SUS). O objetivo é garantir a gratuidade nos transportes, por meio de um
modelo de responsabilidade compartilhada entre governo federal, Estados e
municípios.
A seguir, conheça a experiência
de cidades que já adotam a tarifa zero e os desafios para implementação da
política em municípios de grande porte, como São Paulo.
MARICÁ (RJ): DEMANDA
AUMENTOU MAIS DE 6 VEZES
Maricá, no Rio de Janeiro,
iniciou seu projeto de tarifa zero ainda em 2014, durante o mandato de
Washington Quaquá (PT) na prefeitura do município.
Com uma população de 167 mil
habitantes, a cidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, conta com um
orçamento turbinado por royalties do petróleo – uma espécie de compensação
recebida por municípios pela exploração do óleo em suas águas.
Foi com esse dinheiro em caixa
que Maricá viabilizou uma política de renda básica que atualmente beneficia
42,5 mil moradores e também os ônibus gratuitos para a população.
Ônibus próprios e outros alugados
de empresas privadas através de processos de licitação.
Atualmente com 120 ônibus e 3,5
milhões de passageiros por mês, o custo mensal do sistema varia de R$ 10
milhões a R$ 12 milhões.
"Em 2022, foram R$ 160
milhões que as famílias deixaram de gastar com transporte, o que é injetado
diretamente na economia da cidade", diz Celso Haddad, presidente da EPT de
Maricá.
O município enfrentou, no
entanto, um desafio comum a todas as cidades que implantam a tarifa zero:
explosão de demanda e, consequentemente, dos custos de operação.
"Aqui em Maricá, [a demanda]
cresceu mais de seis vezes. Tínhamos em torno de 15 mil a 20 mil pessoas
transportadas diariamente e hoje transportamos mais de 120 mil. A tarifa zero é
um propulsor do direito de ir e vir, é muito avassaladora a diferença",
afirma o gestor.
EMPRESAS LOCAIS VARGEM
GRANDE PAULISTA (SP): TAXA PAGA POR
O avanço da tarifa zero no
período recente deixou de ser identificado com um espectro político específico.
Prefeitos de esquerda e direita têm implementado o modelo em seus municípios.
Josué Ramos, prefeito de Vargem
Grande Paulista, por exemplo, é filiado ao PL do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Pela proposta, o financiamento ao sistema seria viabilizado pela instituição de uma contribuição pelo uso do sistema viário e por recursos da arrecadação de impostos de União, Estados e municípios.
Erundina explica que o objetivo
da proposta é concretizar a Emenda Constitucional 90 de 2015, que naquele ano
garantiu o transporte como um direito social, inscrito no artigo 6º da
Constituição.
Pioneira a propor a tarifa zero,
ainda em 1989, a deputada vê com satisfação o avanço da política pública nas
cidades brasileiras e se diz otimista com as perspectivas para a PEC.
"Quando uma proposta tem
coerência, tem consistência, é inteligente para resolver os problemas da
coletividade, ela não morre na ideia do povo, ela segue viva. O Movimento Passe
Livre sustentou a defesa dessa proposta e hoje já são diversas instituições
defendendo essa ideia e vários municípios operando essa política na prática,
com grande sucesso", diz Erundina. "Vejo isso com muita esperança."
Marcos
Antonio Coutinho: 13 de abril de 2023, às 08h00 Atualizado: por Thais Carranca
13 Abril 2023 às 11h59 SÃO PAULO | BBC NEWS BRASIL